terça-feira, 8 de setembro de 2020

IBAP - INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS PRESIDENTE - PARTE 1

A Indústria Brasileira de Automóveis Presidente – IBAP – foi concebida por um jovem empresário chamado NELSON FERNANDES, proprietário de um clube de campo (Acre Clube) e de um hospital (Presidente). Para viabilizar a IBAP, Nelson vendia títulos de propriedade da IBAP para captar acionistas. Estes teriam direito a dividendos e prioridade na compra de um carro a cada 15 meses, com 20% de desconto e parcelamento em 30 meses. Condições excelentes ainda hoje.

A IBAP foi fundada em outubro de 1963 e ocupava um terreno de 1.014.719 m2 no município de São Bernardo do Campo/SP. A planta da fábrica previa uma área construída de 300.000 m2. Nelson Fernandes estava com 31 anos de idade e cheio de disposição para realizar o sonho do “carro nacional”.

 

Os 120 funcionários iniciais teriam alguns benefícios não usuais na época, tais como título de propriedade da IBAP, participação na diretoria, desconto na compra de um carro e preferência para se tornarem revendedores.

A IBAP era uma empresa 100% nacional que se propunha a produzir 3 diferentes veículos: um carro popular com motor de 300 a 500cc, um utilitário e um modelo de luxo (que recebeu o nome DEMOCRATA por escolha popular). Este último seria produzido na versão sedan com 2 e 4 portas, com motor traseiro.

A meta de produção era bem ambiciosa: 350 carros/dia, marca impressionante para o ano de 1968. Essa era a produção diária da Volkswagen, o que contribuía para aumentar as desconfianças.

A IBAP produziria o primeiro veículo brasileiro e, como tal, não pagaria royalties a nenhuma empresa estrangeira. Com isso, poderia ser mais lucrativo do que qualquer um de seus concorrentes e, de quebra, mais barato e atraente.

Não seria absurdo imaginar que as multinacionais aqui instaladas promoveriam um boicote (isso ocorreu na terra do automóvel com Tucker... por que não aqui?). De fato, algumas (senão todas) ameaçaram grandes empresas jornalísticas com o corte de publicidade – com evidentes prejuízos. Isso “explica” o “inexplicável desprezo” da nossa imprensa pelo carro. E quando alguns veículos de comunicação se manifestavam, era para questionar a “real capacidade da empresa” – como veremos adiante.

O modelo “popular” deveria ser o primeiro modelo da IBAP a ser produzido, mas seria necessário desenvolver o ferramental para prensar as chapas metálicas (carro popular vende muito, e a fibra-de-vidro não é o material mais adequado para alta produção em série). Por se tratar de um processo caro e demorado, optou-se, então, pela produção do sedan DEMOCRATA, cuja carroceria de plástico reforçado com fibra-de-vidro permitiria o início imediato da produção. Para a IBAP era importante ter alguns veículos prontos antes de começar a capitalizar a empresa, mas estima-se que ainda assim o volume mensal produzido ficaria aquém do prometido pelo IBAP.


Em março de 1964, a revista Quatro Rodas questionava a IBAP, afirmando que “empresa de automóveis não cai do céu”. A revista "suspeitava que a IBAP não tinha capacidade de construir um carro inteiramente brasileiro, desde o motor até os últimos detalhes da carroçaria". Como ela não acreditava em “milagres”, passou a duvidar “da história inteira”...

O primeiro protótipo – um sedan 4 portas – foi mostrado no fim de 1964, após o golpe militar. Há uma foto – abaixo – com o então presidente Castello Branco (ao seu lado, a iminência parda, o General Golbery do Couto e Silva – o homem que criou o Serviço Nacional de Informação – SNI).


O protótipo mostrava incômodas semelhanças com o Corvair, da GM americana, e muitos acusaram a IBAP de ter construído o protótipo sobre o chassi daquele carro, inclusive mantendo a mecânica original na parte traseira do veículo...  A IBAP se defendia alegando que “precisava provar que já era capaz de construir automóveis”.

 

 Acima e abaixo, o sedan 4 portas - diferente do sedan 2 portas

Chico Landi – primeiro brasileiro a pilotar no exterior – foi contratado pela IBAP

Ele testaria os carros e também contribuiria no seu desenvolvimento. Foi ele quem sugeriu um motor V6 instalado na traseira (como o Chevrolet Corvair). Chico alertou que “havia o risco de sabotagem, no Brasil” e que “melhor seria se todo o conjunto mecânico fosse produzido fora”. Por isso, a mecânica foi encomendada a uma empresa italiana, a PROCOSAUTOM (Proggetazione Costruzione Auto Motori), constituída para essa finalidade, onde a IBAP detinha 60% das cotas e o restante cabia a Enrico Franchini e ao engenheiro Gabriele Toti. A Procosautom projetou o motor e a transmissão (que ficava embutida no cárter de óleo) e a IBAP adquiriu todo o projeto e patentes. 


Apesar de todo o "nacionalismo" e da perspectiva de o Brasil desenvolver sua própria indústria, economizando em royalties e aproveitando ao máximo o talento e a criatividade do brasileiro, o Democrata foi alvo de seguidas campanhas difamatórias, com forte suspeitas do patrocínio das “grandes” (que vendiam aqui modelos caros e ultrapassados). Também teria havido pressão por parte do Governo Militar, cujo porta-voz foi o então ministro da Indústria e Comércio. Colocava-se em dúvida, também, a durabilidade da carroceria em fibra de vidro, mas a IBAP levou algumas carrocerias às cidades de São Paulo, Curitiba e Brasília com um exemplar pronto (para exibição) e uma carcaça “pelada” para que as pessoas “espancassem” com canos de ferro e até a queimassem, comprovando a resistência da fibra-de-vidro.

O uso da fibra de vidro para a construção de automóveis já não era novidade: a Willys a utilizava na fabricação do Interlagos. Quanto ao uso de fibra para produção em série, especialista afirmavam que, apesar de ser mais resistente e segura que a chapa de aço, ela não é maleável, e o processo de produção se tornaria caro. A fibra seria mais indicada para produção em pequena escala, pois dispensaria a compra de caras prensas. Nelson Fernandes esclareceu, à época, que “o uso de fibra era apenas para a elaboração dos protótipos e que os Democratas seriam produzidos em série em chapas de aço”. A carroceria mais pesada não seria problema, porque a potência do motor V6 poderia ser facilmente incrementada, sem maiores danos ao conjunto...

 
 
 
 
No caminho de Nelson Fernandes surgiram mais dificuldades: a alfândega brasileira interceptou um lote de peças importado da Itália, suspeito de ser “contrabando”. Apesar de um laudo de engenharia e contabilidade da Polícia Técnica e da documentação comprovarem que se tratava de uma operação regular, a IBAP passou a ser alvo de acusações infundadas – que foram desmentidas por meio de um laudo de engenharia e contabilidade solicitado pela empresa à Polícia Técnica.

Em junho de 1965 o Congresso Nacional criou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para interrogar Nélson Fernandes e ouvir “peritos”. Um ano mais tarde, ou seja, em 1966, foram publicadas 64 páginas a respeito no Diário do Congresso, concluindo “não haver contabilidade, livros ou balanços da empresa”.

A Revista 4 Rodas voltou a se manifestar, e divulgou que “até meados de 1966 nenhum fabricante de autopeças ou mesmo de maquinário fora contatado pela IBAP”.

A IBAP se defendeu alegando que “fez o levantamento de todas as peças, até os parafusos... e que os fabricantes – que são os maiores interessados – não foram consultados".

Um carro atraente e mais moderno que os modelos aqui produzidos

Continua...

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