quarta-feira, 29 de abril de 2020

LINHA FORD CORCEL (E HERDEIROS)


Em 1967, quando a Ford adquiriu o controle acionário da Willys Overland do Brasil, , encontrou quase pronto o projeto "M", que vinha sendo desenvolvido em parceria com a Renault. 

O projeto "M" deu origem a um carro que, na França, se tornou o Renault 12 e, no Brasil, o Corcel.
Aqui, sua carroceria seria diferente, mais adequada ao gosto brasileiro (e mais bonita que a versão francesa).
Em dezembro de 1968, no VI Salão do Automóvel do Anhembi, em São Paulo, foi apresentado o (Ford) Corcel.
A primeira carroceria lançada foi a sedan 4 portas que, definitivamente, não tinha o DNA Ford.
O estilo era puramente "Renault" e um discreto traço da Willys aparecia no relevo em “V” da grade cromada com frisos horizontais – mas esse detalhe logo desapareceria.
O painel tinha acabamento caprichado e o espaço interno era bom porque a tração dianteira proporcionava mais espaço para as pernas do passageiro sentado no meio do banco de trás.
A exemplo do Renault Gordini, o capô do motor adotava abertura de trás para frente, revelando preocupação com a segurança. O amplo porta-malas atendia às necessidades de uma família de classe média.
Abaixo, um raro exemplar 4 portas da primeira safra, ainda com enorme volante do Aero Willys e banco dianteiro inteiriço:
O novo motor 4 cilindros e 1.300cc derivava do Renault Ventoux (então usado no Gordini), mas era mais potente (68 HP, contra 40 – brutos), tinha aperfeiçoamentos como radiador selado, era mais econômico e mais confiável. Mas os 68 HP pareciam insuficientes para o Corcel, que pesava 930 Kg.
As rodas de aço de 13 polegadas tinham apenas 3 parafusos de fixação, outra herança do  pequeno Renault. No mesmo Salão do Automóvel foi exibido o sedan Volkswagen 1600 4 portas (Zé-do-Caixão) e um carro de segmento superior, o Chevrolet Opala, mas nenhum dos dois concorreu de fato com o Corcel. 
Não custa lembrar que em 1968 a linha DKW não mais existia (tinha sido extinta em 1967) e os demais carros nacionais fabricados eram todos de porte maior (Ford Galaxie, Chrysler Esplanada/Regente, FNM 2150, Aero Willys, Itamaraty) ou menor (Fusca). Além deste havia os utilitários Chevrolet Veraneio, Ford Rural e VW Kombi. Então, o concorrente “ Zé-do-Caixão” não incomodou o Corcel. A propaganda da Volkswagen insinuava uma beleza que o sedan quadradinho definitivamente não tinha. Assim, o Corcel só não faria sucesso se fosse um péssimo carro... mas o conjunto da obra se revelou superior ao Volkswagen 1600 4 portas. 
A suspensão era eficiente e a tração dianteira proporcionava boa estabilidade. Mas o alinhamento da direção era sofisticado para a época mas a sua desregulagem desgastava muito os pneus dianteiros. Isso ocasionou o primeiro recall da indústria brasileira, envolvendo 65 mil proprietários de Corcel. Foi constatado que o desalinhamento da direção estava relacionado à regulagem complicada da convergência das rodas dianteiras...

Em 1969 surgiu a atraente versão  Cupê 2 portas, mais "esportiva", e que logo seria a mais vendida.
Um interessante detalhe: os vidros laterais traseiros arriavam completamente, aumentando a ventilação para os ocupantes do banco traseiro (esse importante detalhe acabou se repetindo no Chevrolet Opala Cupê, em 1972).
Com a versão Cupê o Corcel conquistou uma clientela maior de pessoas com perfil mais jovem (quem comprava um Karmann-Ghia sabia que era um carro fraco de desempenho, mas com forte apelo visual).
A propaganda da nova versão GT (ao lado), baseada na carroceria cupê, insinuava uma esportividade que o modelo, infelizmente, não tinha. 
Curiosamente, o teto era revestido em vinil (o que normalmente estava associado a carros de luxo). 
Havia uma faixa preta no centro do capô e outras na lateral que davam o toque esportivo. 
Um par de faróis de milha, redondos, chamava a atenção e eram afixados na parte superior do para-choque, entre as garras de proteção. 
O enorme volante era o mesmo do Willys Itamaraty, mas com um aro da buzina imitando madeira, acrescido do distintivo GT. 
A cor do estofamento podia ser na preta, marrom-claro ou vermelha, dependendo da cor da carroceria. 
Itens como Rádio de 5 faixas, ventilador, cintos de segurança e pneus com faixa branca eram opcionais!
O novo modelo pesava 10 Kg a mais que o sedã, mas seu motor 4 cilindros 1.3 agora rendia 80 cv (12 cv a mais) graças ao novo carburador Solex de corpo duplo, válvulas maiores, novos coletores de admissão e escape. As marcas de aceleração do Corcel melhoraram: de 0 a 100 Km/h em 18s. A velocidade máxima passou a ser de 138 km/h. No autódromo de Interlagos o piloto Emerson Fittipaldi conseguiu velocidades superiores a 142 km/h, em parte graças ao “retão” do autódromo combinar com uma leve descida de um quilômetro de extensão. O uso de gasolina azul, mais um carburador bem regulado (para uma mistura mais rica), e uma boa regulagem das válvulas, deixavam o motor mais “nervoso” com pouco investimento.
No fim de 1969 a constatação do sucesso: mais de 50 mil unidades vendidas!
 A versão perua do Corcel recebeu o simpático nome Belina (ao lado).
Ela foi lançada em março de 1970 e se destacava pelas linhas graciosas (a Variant de cara alta era "bruta" e com linhas poucos inspiradas).
Seu principal atrativo era o enorme porta-malas, cujo acesso era facilitado pela ampla tampa traseira. O estepe ficava embutido numa das laterais.
Econômica, a propaganda alardeava a boa média de consumo de 12 Km/l, com nossa péssima gasolina então oferecida.

Muito certamente para conter custos e oferecer um produto mais acessível, a Ford lançou a Belina apenas com 2 portas, embora houvesse um protótipo com 4 portas (vide abaixo):

Como era um carro com vocação familiar, a Belina tinha que ter sido lançada com 4 portas (a exemplo da Simca Jangada), mas infelizmente essa opção nunca foi oferecida - provavelmente porque acabaria custando bem mais que a rival VW Variant. 
A rival VW Variant, lançada no mesmo ano, tinha também apenas 2 portas, oferecia dois porta-malas e logo revelou ser muito boa de revenda. 
A Belina tinha estrias de reforço no teto e traseira levemente empinada. A ampla porta traseira facilitava a movimentação de carga. Com o banco traseiro abaixado, tinha-se acesso a uma plataforma de 1,77 metro de comprimento por 1,22 m de largura e 0,85 m de altura.
Além do motor standard 1.3 de 68 HP, havia uma versão mais cara com o mesmo motor 1.3, mas com 80 HP ( o mesmo do Corcel GT). 
Havia 3 versões: standard, luxo e luxo especial – esta com laterais com apliques sintéticos imitando madeira de jacarandá. Esse detalhe tinha como inspiração as woodies (peruas com carroceria de madeira típicas dos anos 40).
 
Continua...

LINHA FORD CORCEL (E HERDEIROS) - Parte 2

Em 1971 a grade dianteira da linha Corcel-Belina foi modificada e perdeu o “V” central, enquanto os piscas saíram dos cantos inferiores da grade e ficaram alojadas sob o para-choque.

As lanternas traseiras do Corcel (que até então eram retangulares e estreitas) passaram a ser duplas e quadradas, inspiradas no Mustang.
Foi o suficiente para dar charme à traseira que era meio sem graça, embora não avançasse nas laterais, como A Belina.

A Belina, que até 1970 tinhas estreitas lanternas traseiras verticais, ganhou outras maiores e dispostas na horizontal, com parte afixada na tampa do porta-malas (algo semelhante ao que existia na Rural). Com isso, a traseira ficou visualmente mais larga e baixa.


Na linha 1972 o Corcel agora denominado GTXP (extra performance ou desempenho extra) ganhou tomada de ar no capô – agora todo pintado de preto fosco, e os faróis de milha passaram a ser integrados à grade.
 
O volante do GT mudou e era o mesmo utilizado no Galaxie, assim com o mecanismo e alavanca do pisca. 
O modelo ganhou novo console central com 4 instrumentos inclinados na direção do motorista. Os dois de cima tinham marcador de temperatura do motor e pressão do óleo. Os de baixo marcavam o nível da gasolina e da carga da bateria. 
Inexplicavelmente, o esportivo não vinha mais com bancos reclináveis, nem mesmo como opcional. 
Em compensação, o motor teve a cilindrada aumentada de 1.3 para 1.4, o que fez a potência saltar a de 80 para 85 cavalos brutos na versão esportiva. O desempenho melhorou, com o carro indo de 0 a 100 Km/h em 17s e a velocidade máxima roçando os 150 km/h – boas marcas para a época, embora insignificantes diante do V8 usado no Maverick GT. Ao menos era o carro com motor "até 1.600cc" mais rápido.

A partir de 1973, toda a linha Corcel recebeu nova grade, com frisos cromados verticais e o emblema Ford redondo ao centro. Também foram redesenhados o capô, os para-lamas e as lanternas traseiras – agora mais largas e retangulares, e com luzes de ré incorporadas.
O motor 1.3 finalmente deixou de ser oferecido, e toda a linha (cupê, sedã e a perua Belina) ganhou um motor 1.4 “amansado”, mas ainda com bons 75 cv. O carburador Weber de duplo corpo e acionamento simultâneo do XP deu a vez a um modelo de corpo simples.
Infelizmente a versão esportiva GT perderia o nervoso motor XP de 85 cv, passando a ser diferenciado dos demais modelos apenas pela estética e acabamento. 
Agora o esportivo ostentava duas faixas pretas paralelas no capô e também nas laterais.
Além disso tinha de série faróis de milha retangulares embutidos na grade – esta também foi reestilizada. 



Em 1975 as linhas do Corcel e da Belina foram novamente retocadas, adotando nova grade com elementos horizontais, que agora uniam os faróis. 
O emblema migrou para o “bico” do capô. As lanternas traseiras do Corcel ganharam um friso horizontal que visualmente as dividiam ao meio.  
A Belina recebeu um vidro traseiro maior e as lanternas finalmente  incorporaram a luz-de-ré. 
Mas a perua ganhou uma nova e perigosa rival, a Chevrolet Caravan, derivada do Opala – que oferecia mais espaço e conforto, além de motores mais potentes (mas que consumiam mais). 
Mas ela padecia do mesmo mal que a Belina: só tinha 2 portas de acesso aos passageiros. 

O Corcel GT 1975 (abaixo) ganhou, além das inovações estéticas da linha, somente novas faixas e detalhes.


Para melhor combater o Opala, recém reestilizado, surgiu uma versão mais luxuosa, a LDO (Luxuosa Decoração Opcional) - fotos abaixo. Por dentro oferecia mais requinte, com forrações e bancos nas cores marrom e bege, incluindo o painel.
Até 1977 a linha Corcel ganhou alguns retoques visuais e alguns aperfeiçoamentos mecânicos, e a Belina passou a disputar mercado com a nova Variant II – uma espécie de “Brasília esticada” e mais evoluída mecanicamente.

Continua...